O sistema criminal é particularmente perverso com pessoas feias

Eu era uma criança de 11 anos, estava sentado no sofá da sala, almoçando e vendo TV, quando o jornal noticiou:
-“Jovem de 19 anos foi preso em flagrante, acusado de assaltar um ônibus na Barroquinha, portando uma arma calibre 38.”
Era o filho mais novo da vizinha. A rua toda parou pra ver o noticiário. Ainda lembro-me dos comentários feitos lá em casa a respeito do fato:
-“Um menino tão bonito e envolvido nessas coisas erradas.”
-“Quem diria que aquele menino tão bonito iria dar pra coisa ruim?!”
-”Quem vê cara não vê coração!”
-“Aquele rostinho bonitinho enganava qualquer um!”
Confesso-lhes que à época, beirando a adolescência, eu apenas ouvi os comentários – ato fisiológico -, mas nunca os escutei – ato psicológico - com um filtro sociológico, jurídico e crítico, até que o tempo, a maturidade e a mãe de um rapaz que havia sido condenado pelo crime de roubo, me fizeram refletir sobre essa equivocada e preconceituosa pré-concepção social de que certas pessoas, tidas como “bonitas” ou “lindas”, são relativamente incapazes de cometer certos delitos.
Com toda certeza, eu e você já ouvimos ou até mesmo já falamos coisas do tipo: “-Nossa! Uma menina tão bonita e envolvida nesse tipo de coisa” ou “-Um rapaz bonito e envolvido na bandidagem. Lamentável!”, como se o fato de a pessoa ser bonita fosse um óbice para seu envolvimento no cometimento de alguns tipos de crime, enquanto que a feiura fosse uma elementar para ser autor ou partícipe de alguns delitos.
E com ela, a mãe do rapaz condenado pelo crime de roubo, citada acima, os termos desta pré-concepção não eram diferente. Ela me procurou a fim de recorrer de uma sentença que condenara seu filho, e, enquanto me narrava o ocorrido sob a perspectiva dela, me mostrava a foto do rapaz, e por duas vezes questionou-me:
-Olha que rapaz bonito, Doutor. Me diga, que necessidade ele tinha de se envolver com essas porcarias?!
Então percebi que parte da indignação daquela mãe era baseada no fato de que seu filho, sendo um rapaz tido como “bonito”, havia se envolvido com a criminalidade, como se a beleza e o crime não pudessem se misturar, como elementos heterogêneos. E o que é mais alarmante e preocupante é que essa forma de pensar está enraizada em nossa sociedade e vem sendo alimentada pelas águas sujas do preconceito físico (não me refiro ao preconceito racial).
Mas e ai? Então, se o “bonitão”, que, de acordo esse paradigma social, seria, numa primeira avaliação, incapaz de cometer certos delitos, mormente os crimes contra o patrimônio, a quem caberia essa indesejada capacidade? Lógico, por óbvio, ao feio!
Lembrei-me de Lombroso.
Fiquei preocupado comigo, rs.
Fui pesquisar sobre o assunto e encontrei um estudo realizado pela Universidade de Bath, na Grã Betanha, no ano de 2007, onde foi constatado que pessoas feias têm mais chances de serem condenadas por júris populares do que pessoas bonitas. Ou seja, o feio além de ser condenado (extrajudicialmente) antes mesmo de cometer qualquer suposto crime, se o cometer, suas chances de absolvição, baseando-se em sua aparência física, são drasticamente reduzidas, mesmo que não haja provas em seu desfavor.
Engana-se quem acredita que a aparência física é valorada apenas em decisões do Tribunal do Júri. Ledo engano. Tal prática é ilegalmente (e tacitamente) utilizada também nos julgamentos de crimes de tráfico de drogas, nos crimes contra a dignidade sexual e principalmente nos crimes contra o patrimônio, em especial nos crimes de roubo.
Oras, um Tribunal deveria ser último lugar onde se espera ser julgado pela aparência, correto? Mas no mundo real, não é o que ocorre. Um estudo realizado na Universidade de Cornell, em Nova Iorque (EUA), mostrou que réus pouco atraentes (leia-se feios) têm 22% mais probabilidade de serem condenados do que réus bonitões. E ainda recebem sentenças mais duras: em média, 22 meses a mais na prisão.
No Brasil, como sabido, infelizmente, essa prática ignóbil de valorar a aparência física do Réu, se é feio ou bonito, é comumente percebida em nossas Varas Criminais, e não me refiro ao pobre, rico, negro ou branco, pois esta discussão é matéria para outro estudo mais aprofundado e extenso.
Por fim, ao contrário de seus preceitos fundamentais, a Justiça não é tão cega e imparcial como deveria ser. Triste. Destarte, sorte de quem é bonito e azar de quem é feio e tem de ser submetido a um julgamento neste país ou em outros tão parciais e preconceituosos como o nosso.

0 comentários:

Postar um comentário